Nunca refleti tanto sobre a conveniência de escrever ou não um artigo com o tema que aqui vou abordar. Ontem, ao deitar, antecipei uma parte do meu pensamento para minha esposa e mãe do meu filho mais novo. Ela disse: “Isto é muito chocante! Não sei se estou em uma fase que aceite este tipo de informação. Estou amamentando uma criança de apenas 3 meses…”. Então fiquei sem sono, pensando se compartilhava ou não com meus leitores a angústia do que vi e ouvi em minha visita ao município de Anori. Decidi, justamente pelo meu filho de apenas 3 meses de idade, escrever sobre o assunto para que possamos nós, pessoas com alguma consciência positiva, fazer uma avaliação, uma reflexão e, talvez, utopicamente falando, possamos colaborar para que no futuro não mais presenciemos tais fatos.
Todos sabemos que uma das grandes obras recém implantadas no Amazonas foi a construção do Gasoduto Coari/Manaus. E se para muitos esta obra é vista como símbolo de progresso e desenvolvimento, para outros ela vista por um prisma de grande angústia, ao assistirem uma das mais indignas perversões possíveis do ser humano.
Esta grande obra usou por algum tempo, como base de suas operações, a cidade de Anori, que de repente foi “invadida” por uma massa de pessoas. Técnicos, engenheiros, operadores de máquinas e todo tipo de gente. Pessoas que vinham carregando o progresso literalmente “nas costas”, conhecidas como “laranjinhas” (uma referencia aos macacões que usavam).
Trouxeram agitação para a cidade, além de derramar parte dos seus polpudos salários em uma economia incipiente, rural e com baixíssimas possibilidades de desenvolvimento. Enfim alguma coisa acontecera a esta esquecida comunidade. Novos restaurantes, algumas lojas e até mesmo um “novo” hotel foi construído.
Então começaram a aparecer as sequelas. Muita gente de fora, com dinheiro no bolso e, pasmem, com “educação” também, passaram a buscar a diversão sexual! Com quem? Adivinhem? Isto mesmo, o óbvio, com as meninas da cidade. Prostituíram e viciaram crianças de 14, 13 (e até menos) anos de idade, meninos e meninas, estimulados pelo tal de “mel”, que é uma mistura de pasta base de cocaína com alguns produtos químicos de efeito mortal. Os que escapam do vício acabam ficando com “surtos psicóticos e depressivos”, que levam inclusive ao suicídio.
A obra acabou, seus personagens foram embora deixando tubos no meio da mata e um rastro de memória condenável na cidade.
Ainda bem que Anori, apesar de pacata, tem em sua população pessoas de grande envergadura moral e familiar, conselheiros tutelares, professores, igrejas, etc. E a maioria do povo da cidade se revolta contra isso e está tentando “reparar” o mal que fizeram a uma juventude que vivia sem esperança, especialmente pela falta de políticas públicas de sustentação econômica e social verdadeiramente eficazes e dignas.
Vai falar em distribuir R$ 50,00/mês de Bolsa floresta para eles! Isto ofende, eles não querem esmolas, querem dignidade, trabalho e respeito! E nós aqui, os beneficiados pelo gasoduto, vai uma dica: Quando acenderem o fogo do seu fogão para cozinhar uma deliciosa caldeirada, lembrem-se da chama do sofrimento deixado na esteira deste progresso.
Manaus já deve a Anori a vida de algumas crianças! E eles precisam da nossa ajuda.
PS: Evitei me aprofundar nas histórias por uma questão de respeito à cidade de Anori e a todos os pais e mães de Manaus. Mas por aí vocês podem imaginar o que aconteceu…